O Estado de S.Paulo
A cada dia que passa, as peripécias do programa Mais
Médicos só reforçam aquilo que se suspeitava desde o seu lançamento -
que debaixo da retórica demagógica que o envolve está apenas uma jogada
política destinada a favorecer a candidatura do ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, ao governo de São Paulo, que é hoje, junto com a
reeleição da presidente Dilma Rousseff, o grande objetivo do PT. É isso
que explica a sua improvisação - cujas consequências negativas se
multiplicam - e o fato de que esse programa não tem muito a ver com as
verdadeiras prioridades do setor de saúde.
Movido pela ânsia de tornar popular o ministro, o governo improvisou
aquele programa e atropelou as entidades representativas dos médicos
brasileiros. Com uma medida provisória, contornou a obrigatoriedade
legal do exame de revalidação dos diplomas dos médicos estrangeiros e
dos brasileiros formados no exterior, substituindo-o por um registro
provisório a ser dado pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), com
base em exigências mínimas.
Não satisfeito, vem recorrendo à Justiça Federal para obrigar os CRMs
de alguns Estados - que a seu ver demoram muito a liberar esse registro
- a fazer isso rapidamente. E tem conseguido decisões favoráveis em
primeira instância. Inconformado, o presidente do CRM de Minais Gerais,
João Batista Gomes Soares, renunciou. Antes dele, seu colega do Paraná,
Alexandre Augusto Bley, sentindo-se pressionado pela sofreguidão do
governo, já havia feito o mesmo.
Mas isso ainda é pouco perto do que acaba de acontecer. O governo
conseguiu que a Comissão Mista do Congresso que analisa a Medida
Provisória do Mais Médicos aprovasse dispositivo que transfere dos CRMs
para o Ministério da Saúde o poder de dar o registro provisório aos
médicos estrangeiros.
A matéria ainda precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado, mas,
com a ampla maioria que tem nessas duas Casas, isso será fácil para ele.
Em resumo, quem quer que se oponha ao programa será neutralizado.
O governo não aceita limites e se mostra determinado a passar como um
trator sobre as objeções das entidades médicas, que tentam tomar um
mínimo de cuidados com relação ao preparo de médicos de cuja competência
técnica dependem milhares de vida. Ele vence, mas não convence, porque o
seu diagnóstico da saúde no Brasil deixa muito a desejar, para dizer o
mínimo. Não podia ser diferente, pois o que o move, antes de tudo, é o
interesse eleitoral, não o desejo genuíno de identificar e atacar as
deficiências do sistema de saúde brasileiro.
A falta de médicos, que é real, está longe de ser a principal delas,
como quer fazer crer o governo. Antes dela estão, por exemplo, os graves
problemas de infraestrutura - referentes a hospitais e equipamentos
médicos - que dificultam o trabalho dos próprios profissionais que estão
sendo contratados a toque de caixa. Tanto é verdade que o governo
parece cego pela paixão política, que o Ministério da Saúde se descuidou
de gastar nesse item fundamental o dinheiro que para isso tem
disponível em 2013. Até agosto, investiu apenas 26,5% dos R$ 10 bilhões
que reservou para a compra de equipamentos e a execução de obras.
Para onde os médicos cubanos e de outras nacionalidades, que o
governo está importando com tanto alarde, vão enviar os casos mais
graves que diagnosticarem? Para os corredores de hospitais superlotados
que, além de vagas, não dispõem também de equipamentos para os exames
necessários?
Mais grave ainda que esse é o velho e bem conhecido problema da
defasagem da tabela de procedimentos do SUS, que cobre apenas 60% dos
custos. Como as Santas Casas e os hospitais filantrópicos não têm como
arcar indefinidamente com esse prejuízo, já se aproxima o momento em
que, ou deixarão de atender pelo SUS, ou irão à falência. E, como
respondem por 45% dos atendimentos dos SUS, isto significará o colapso
do sistema público de saúde.
Esses são os verdadeiros problemas da saúde, mas cuidar deles não dá
votos a curto prazo. Logo, isso não ajuda o ministro Padilha.
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