Gaudêncio Torquato
Perguntaram ao barão de Montesquieu, o
formulador da teoria da separação dos poderes, quais as boas leis que um
país deve ter? Respondeu: “quando vou a um país, não examino se há boas
leis, mas se são executadas as que existem, pois há boas normas por
toda a parte”.
Pergunte-se a um representante do povo no
Parlamento brasileiro que critérios guiam a tarefa legislativa. É
provável que aponte o numero de projetos apresentados – sem destaque
para o mérito –, corroborando a ideia de que, em nossa seara
parlamentar, vale mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do
qual pouco se aproveita, do que a qualidade da semente.
Amparados
pela força da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da Jóia Folheada
(toda última terça feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a
Semana do Bebê e outras esquisitices povoam o manual do joio legislativo
escrito por parcela ponderável do corpo parlamentar. Instados fossem a
discorrer sobre a natureza de nossas leis, os Sólons tupiniquins
poderiam sacar a resposta: “são as leis que os brasileiros têm de
aguentar”.
Cada povo com sua medida legislativa.
Não
bastasse a progressão geométrica do que se pode chamar de Produto
Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa (PNBIL), forças exógenas
emprestam sua colaboração para adensar o volume de normas inúteis.
A
Copa das Confederações e a Copa do Mundo, sob o escudo da Federação
Internacional de Futebol (FIFA), anunciam um conjunto de normas para
mudar o comportamento do torcedor brasileiro.
Serão
terminantemente proibidos nos estádios xingamentos a jogadores, juízes e
suas progenitoras, censura que acabará abarcando os elogios, porquanto
no burburinho de torcidas inflamadas ouvido nenhum será capaz de
distinguir onomatopeias positivas de palavrões. Risível, não?
O
fato é que a FIFA quer mudar por decreto a maneira brasileira de ser.
Obrigar torcedor fanático a entrar em ordem unida e adotar comportamento
considerado exemplar é tentar tapar o sol com a peneira.
Tem
mais: que ninguém tente se levantar para comemorar um gol de seu time ou
reclamar impedimento de jogador do time adversário. Cerveja pode, mas
fumar, nem pensar.
Dito isto, vem a pergunta: como os pregadores
dos bons costumes em estádios de futebol controlarão o ímpeto expressivo
da massa? Brigadas da FIFA vigiarão seus movimentos?
Esses são os
nossos Trópicos. A fúria legiferante que entope as vias institucionais e
chega ao cotidiano, afetando de um modo ou de outro a vida das pessoas,
tem muitas significações.
Para começar, somos um país que ainda
não cortou as amarras da secular árvore do carimbo, “preciosidade”
trazida pelos colonizadores portugueses. O carimbo foi criado por D.
Diniz nos idos de 1305 para conferir autenticidade a documentos.
Concedido
a “homens bons”, nomeados pelo rei, que juravam fidelidade aos santos
evangelhos, incrustou-se na vida brasileira, a ponto de atravessar,
incólume, mais de cinco séculos.
Deixa sua tinta forte na própria
era digital. A autenticação e os selinhos de cartórios trazem obsoletos
costumes ao nosso cotidiano, pavimentando os caminhos da burocracia.
Explica-se o cartorialismo ainda pela capacidade de fortalecer a
estrutura de autoridade; esta, por sua vez, se expande na esteira de
leis que procuram impor a ordem do mundo ideal.
Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por força da lei.
Leia mais em O joio legislativo
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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