Juristas apresentam até o fim de maio o anteprojeto para mudança do Código Penal
BRASÍLIA - Numa importante iniciativa para o combate à corrupção no
país, a Comissão de Reforma do Código Penal do Senado, formada por
juristas, aprovou nesta segunda-feira proposta que classifica como crime
o enriquecimento incompatível com a renda declarada por políticos,
juízes e demais servidores públicos. Pelo projeto, agentes públicos com
patrimônio a descoberto poderão ser punidos com pena de até 8,5 anos de
prisão e perda dos bens obtidos de forma ilegal. Serão acusados de
enriquecimento ilícito. O anteprojeto geral de reforma do código deverá
ser encaminhado à presidência do Senado até junho.
—
Talvez tenhamos atingido o tipo penal mais abrangente contra a
corrupção na administração pública — afirmou o presidente da comissão,
Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Hoje,
o Código Penal já dispõe de vários artigos contra a corrupção no
serviço público. A nova proposta deve facilitar a identificação e a
punição de desvios de conduta de ocupantes de cargo público. Bastará aos
órgãos de investigação criminal provar que um político, juiz ou
servidor acumulou patrimônio ou usufrui de bens incompatíveis com a
renda declarada. Ou seja, não se exigiria provas do crime que permitiu a
obtenção de valores e bens de forma criminosa.
— É um momento
histórico na luta contra a corrupção no Brasil. Criminalizamos a conduta
do funcionário público que enriqueça sem que se saiba como, que entra
pobre e sai rico. Agora temos um tipo penal esperando por ele — disse o
relator da comissão, procurador Luiz Carlos Gonçalves.
Pena pode chegar a cinco anos de prisão
Pela
proposta, o enriquecimento ilícito pode ser punido com um a cinco anos
de prisão. A pena pode ser aumentada na metade ou em até dois terços se o
agente público transferir a posse de bens e valores a terceiros, ou
seja, recorrer a laranjas em tentativa de camuflar a acumulação ilegal
de riqueza. Hoje é comum réus em processos de corrupção usar nomes,
contas e outros dados de parentes, empregados e ex-empregados para
disfarçar a origem de determinados bens.
Segundo Dipp, a
criminalização do patrimônio a descoberto do servidor público ajusta a
legislação brasileira às convenções de combate à corrupção aprovadas
pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela Organização das
Nações Unidas (ONU). Nesse ponto, o Brasil está atrás de outros países
da América Latina e Central, que já classificam como crime o
enriquecimento sem lastro. A proposta foi aprovada com folga pela
maioria dos presentes à reunião da comissão, mas após forte debate.
Os
advogados Nabor Bulhões e Marcelo Leal e a defensora pública Juliana
Belochi se manifestaram contra a proposta. Para Nabor, o projeto inverte
o ônus da prova:
— Na Europa, a solução foi não criminalizar a
conduta para não desfuncionalizar o sistema. Se começarmos a tipificar
tudo como crime, inclusive o que é consequência, estaremos sujeitos a
arguições de inconstitucionalidade. É claro que sou contra o
enriquecimento ilícito, mas estou absolutamente convencido da
inconstitucionalidade dessa criminalização. O Direito Penal não deve
servir de panaceia para todos os males.
Para Dipp, não há esse
risco. O ministro entende que permanecerá com o Estado a atribuição de
provar que o servidor acumulou bens de forma ilegal. Dipp lembra que
hoje todo servidor público tem por obrigação apresentar declaração de
bens no ato da posse do cargo e atualizar os dados anualmente. Desde o
início do ano, a comissão já aprovou vários tipos penais, alguns
considerados até recentemente de difícil assimilação por setores da
sociedade.
Professor de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais, o advogado criminalista Marcelo Leonardo, que também integra a
comissão de juristas do Senado, disse que esse será mais um passo no
combate aos crimes contra a administração pública. Ele explica que,
hoje, a legislação penal prevê apenas o crime de corrupção, e não o
enriquecimento ilícito.
— É uma forma de combate à conduta ilícita
de funcionário público. Se um delegado de polícia de carreira
apresentar patrimônio incompatível com a renda e não conseguir dar
explicação, ele será enquadrado nessa tipificação — disse Leonardo, que
também é advogado de Marcos Valério, operador do mensalão.
Entre
as propostas mais polêmicas já aprovadas pela comissão estão a
classificação do jogo do bicho como crime e não mais como contravenção
penal; a tipificação de crimes de terrorismo; a ampliação dos casos
legais de aborto; e determinados casos de eutanásia e ortotanásia. A
comissão deveria concluir o anteprojeto de reforma do código em 25 de
maio. Mas o entendimento interno é que o prazo deverá ser esticado até
junho. Depois de pronta, a proposta será encaminhada à Mesa da Casa.
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