Os 50 anos da campanha “Ouro para
o bem do Brasil”
Geraldo Nunes
05 Janeiro 2014 | 14h47
2014 marca o cinquentenário de
uma campanha que enganou famílias inteiras e até hoje ninguém explicou o que
aconteceu com os valores arrecadados. O nome do golpe: “Ouro para o bem do
Brasil”. Tudo aconteceu em 1964 após a crise política alicerçada pela inflação
galopante, que levou as Forças Armadas a promoverem uma quartelada que levou ao
poder o marechal, Humberto de Alencar Castelo Branco.
Evidentemente, o país estava de
cofres vazios, sem reservas cambiais que pudessem conter a alta exorbitante do
dólar. Diante do quadro desolador, os Diários e Emissoras Associados – grupo de
mídia comandado por Assis Chateaubriand, o “Chatô”- lançam uma campanha na qual
a população doaria jóias em ouro para gerar lastro e assim produzir dinheiro
que ajudaria o Brasil a sair da crise. Os casais que doassem suas alianças de
casamento, por exemplo, receberiam de volta alianças de metal e um diploma com
os dizeres: “Doei ouro para o bem do Brasil”.
Com chamadas no rádio, televisão
e reportagens pelos jornais do então poderoso grupo empresarial, a população
menos informada se mobilizou para aquele que seria mais um “ato de cidadania”.
Houve quem doasse colares, brincos e outros objetos de ouro, até dinheiro do
próprio bolso, para ajudar o país a se levantar dos infortúnios do período que
antecedeu à “Redentora”, denominação dada ao movimento militar, por parte
daqueles que se posicionaram favoravelmente ao novo regime.
Assis Chateaubriand, cujo nome
completo era Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, comandava um
verdadeiro império das comunicações. Só em São Paulo tinha duas emissoras de
rádio, duas TVs e dois jornais, além de uma revista poderosíssima, “O
Cruzeiro”, de circulação nacional. O nome para a campanha foi inspirado na
Revolução Constitucionalista de 1932, onde o povo contribuiu com “Ouro para o
bem de São Paulo”, criando uma moeda paulista que circulou em todo o estado
durante o boicote comercial imposto pela ditadura Vargas. Só que após o
desenlace daquela revolução gloriosa, o ouro arrecadado foi utilizado na
construção de um prédio no centro da cidade,
de pé até hoje, com o formato da bandeira paulista e na Rua Álvares
Penteado, 23.
A campanha “Ouro para o Bem do
Brasil”, em 1964, também foi forte recebendo o apoio de empresas e prefeituras
que promoveram manifestações com desfiles em vias públicas, onde escolares
portando faixas, exibiam dizeres alusivos à proposta. A Dulcora, de São Bernardo do Campo,
fabricante de balas e doces ajudou na campanha modificando a cor da embalagem
de seu principal produto, o drops Dulcora que de multicolorido passou a ter
unicamente a cor ouro.
A revista “O Cruzeiro”, em 13 de
junho de 1964, apresenta um balanço parcial da campanha informando que mais de
400 quilos de ouro e cerca de meio bilhão de cruzeiros haviam sido doados pelo
povo e por autoridades civis e militares. Diz mais: “… a campanha, primeiro
grande movimento dos ‘Legionários da Democracia’, foi aberta com a presença do
senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, que
recebeu do Sr. Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Associados Paulistas, a
chave do cofre em que será colocado o ouro e as doações em dinheiro que serão
entregues, posteriormente, ao presidente da República, marechal Castello
Branco…”
A revista acrescenta que inúmeras
personalidades do governo federal compareceram ao saguão dos Associados, na rua
sete de abril, no centro da capital bandeirante durante uma vigília cívica de
72 horas, para se emprestar apoio e fazer doações para a campanha do ouro. “… o
ministro do Trabalho, Sr. Arnaldo Sussekind, representando o general Amaury
Kruel e diversas outras autoridades prestigiaram o movimento dos ‘Legionários
da Democracia’. O Governador Adhemar de Barros doou, de livre e espontânea
vontade, os seus vencimentos do mês de abril, num montante de 400 mil
cruzeiros…”. informa ainda a publicação.
Mais de 100 mil pessoas doaram
pertences, “desde as mais modestas até as mais abastadas, depositando cheques
de até 10 milhões de cruzeiros, alguns provenientes de firmas, além de carros
oferecidos pela indústria automobilística nacional e inúmeras outras doações de
grande monta”.
As TVs Tupi Canal 4 e Cultura
Canal 2, do grupo associados, transmitiam da sede da empresa, com o repórter,
José Carlos de Moraes, o “Tico – Tico” narrando ao vivo os acontecimentos, mas
nada ficou arquivado. Não há registro na internet de nenhuma gravação alusiva a
essa campanha. Nos jornais, Diário de São Paulo e Diário da Noite se noticiou
que o “Ouro para o Bem do Brasil” seguiria na capital, até o dia 9 de julho,
quando então a peregrinação teria início no interior do estado.
Apesar da campanha, não há
registro de qualquer pronunciamento por parte do governo militar, seja a favor
ou contra. Seguimentos mais esclarecidos da sociedade, entretanto, não se
mobilizaram porque era previsível que não se alcançaria um valor suficiente em
ouro doado proveniente de joias para cobrir as reservas cambiais de um país que
arrecada divisas nas atividades do comércio, da indústria e agricultura,
gerando bens, empregos e proporcionando os negócios da exportação e importação
que tocam a economia. Claro que a campanha não foi adiante, entretanto jamais
foi informado onde foi parar todo o ouro e o dinheiro arrecadado. Do novo
regime não houve também uma nota sequer
de agradecimento ao povo. Em lugar nenhum encontramos os números definitivos
dessa campanha que terminou silenciosa.
Nunca se soube do paradeiro da
chave do cofre entregue de maneira simbólica ao senador Moura Andrade, nem se
ele repassou a chave do cofre ao marechal Castelo Branco. Isso evidencia que a
campanha “Ouro para o Bem do Brasil” pode ter sido uma farsa, um tremendo golpe em cima de famílias honestas
que doaram suas alianças de casamento em troca de nada. Foi mais uma dessas
grandes malandragens que passam impunes entre tantas outras neste país.
Se hoje achamos que a ladroeira
alcançou níveis insuportáveis, a campanha dos “Ouro para o bem do Brasil”
deixou claro que a picaretagem já agia solta há 50 anos e o que muda é apenas a
maneira de se roubar. Impunes, os ladrões continuam cada vez mais criativos.
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