Moradores de Ribeirão Bonito transferem títulos para Analândia
Por Fábio Oliva
A exploração da miséria e da fraqueza humana parece não ter limites para alguns políticos. Em Ribeirão Bonito/SP, cidade de aproximadamente 12 mil habitantes, a 200 quilômetros de São Paulo, o vale-tudo eleitoral levou dependentes químicos a transferirem seus títulos eleitorais para Analândia/SP e a trocarem seus votos por dinheiro que acabaram usando para adquirir pedras de crack.
Os craqueiros foram apenas alguns das dezenas de eleitores de Ribeirão Bonito que aceitaram transferir seus títulos de eleitor para Analândia, pequena cidade de 4,3 mil habitantes, a 223 quilômetros da capital paulista. Cada um recebeu R$ 50,00 pela transferência e a promessa de uma cesta básica. Mas entre os mais de 50 eleitores aliciados dessa forma também estão pessoas em situação de risco alimentar e dependentes de álcool.
As duas cidades têm históricos interessantes. Ribeirão Bonito ficou nacionalmente conhecida como berço da maior rede nacional de organizações não governamentais de combate à corrupção, atualmente com mais de 250 entidades. É a cidade sede da AMARRIBO Brasil, que em parceria com a Transparência Internacional e a Controladoria Geral da União, organiza a 15ª Conferência Internacional Anticorrupção, que será realizada de 7 a 10 de novembro deste ano em Brasília/DF. Analândia é uma das 27 cidades paulistas em que o número de eleitores supera o de habitantes. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que Analândia teria 4,3 mil habitantes, mas o número de eleitores passa de 5,5 mil.
Segundo os moradores de Analândia, há pelo menos 20 anos não são os moradores do município quem escolhem o prefeito da cidade para administrar os tributos que pagam. “As eleições aqui têm sido decididas pelo voto de eleitores fantasmas, muitos residentes em estados do nordeste, que recebem dinheiro para viajarem até Analândia no dia da eleição e votarem nos candidatos que os corromperam”, afirma o engenheiro agrônomo Vanderlei Vivaldini Júnior, integrante de uma organização não governamental de combate à corrupção, a AMASA – Amigos Associados de Analândia, filiada da rede da Amarribo Brasil.
A ação de políticos que aliciam e transferem irregularmente grande número de eleitores para Analândia tem encontrado amparo em entendimento do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema. De acordo com o TSE, o domicílio eleitoral (onde o eleitor vota) não precisa ser o mesmo do domicílio civil (onde o eleitor mora). Alguns municípios, segundo o entendimento do TSE, desenvolvem características específicas que levam a essa situação, o que, segundo o órgão máximo da justiça eleitoral brasileira, não configura necessariamente fraude.
Para o TSE, o cidadão não precisa ter residência no município onde pretenda alistar-se como eleitor. Para isso basta que comprove vínculos que abonem esse requisito. Esses vínculos podem ser patrimonial, profissional, comunitário, entre outros. Daí decorre que, segundo o TSE, em alguns casos, notadamente em municípios que apresentem características especiais geográficas, de desenvolvimento de atividade econômica ou produtiva, ou de atrativos de outra natureza, haja incremento no quantitativo de eleitores, superando a própria população residente. Para a justiça eleitoral, não há proporção ideal ou legalmente definida entre o número de habitantes e o de eleitores.
Para a ONG AMASA o entendimento da justiça eleitoral sobre a questão é uma “porteira aberta” para as fraudes. Há duas semanas a entidade obteve provas dessa espécie de fraude. Dezenas de eleitores que sequer sabem onde fica Analândia e jamais estiveram na cidade, portanto sem vínculos patrimonial, profissional, comunitário, afetivo ou de qualquer outra espécie com a cidade, foram corrompidos para transferirem seus títulos eleitorais para o município. Em troca, cada um recebeu R$ 50,00 e a promessa de uma cesta básica.
As provas foram obtidas por um golpe de sorte. Há duas semanas, um dos moradores de Ribeirão Bonito que aceitou transferir o título eleitoral para Analândia foi até a cidade, segundo ele, com o propósito de “acertar as contas” com o vereador local que aliciou dezenas de moradores de dois dos bairros ribeirãobonitentes mais pobres, o Centenário e o Malvinas, para que transferissem seus títulos eleitorais. Ele contou que nem sabia onde ficava Analândia. Sem dinheiro, foi pegando carona. Primeiro de Ribeirão Bonito até o trevo de São Carlos, de lá até Itirapina e, finalmente, até Analândia.
Ao chegar a Analândia o eleitor começou a pedir informações sobre onde poderia encontrar o vereador Diego da Conceição Santos, que acabou assumindo o cargo no lugar do vereador Evaldo José Nalim, assassinado em sua casa, com sete tiros, quatro na cabeça, diante da esposa. Acabou encontrando uma pessoa que lhe perguntou o que desejava com o vereador, à qual explicou que transferira seu título eleitoral e da sua esposa para Analândia, a pedido do vereador Diego, em troca de R$ 50,00 e uma cesta básica para cada, mas as cestas nunca haviam chegado. Sem o que comer em casa, num gesto de desespero, decidiu “acertar as contas” com o vereador.
Conhecedor do trabalho anticorrupção realizado pela AMASA, o cidadão analandense ao qual o morador de Ribeirão Bonito perguntou onde poderia encontrar o vereador Diego foi orientado a procurar a ONG. Convencido a não usar de violência contra o vereador, o eleitor aceitou procurar o vereador para conversar, usando um gravador escondido. Ele encontrou o vereador na praça central de Analândia, mas ali Diego da Conceição Santos não quis prolongar a conversa. O vereador o orientou a ir até o interior de um banheiro público, que fica na praça central da cidade. No local, o vereador deu R$ 70,00 ao eleitor para que comprasse a cesta básica que não havia sido entregue, mostrou-lhe “santinhos” e perguntou se os votos dos eleitores de Ribeirão Bonito transferidos irregularmente para Analândia eram “firmes”.
No áudio gravado, o morador de Ribeirão Bonito diz que vários moradores cujos títulos eleitorais foram transferidos para Analândia a pedido de Diego da Conceição Santos alegavam que não haviam recebido os R$ 50,00. O vereador afirma: “Paguei todo mundo”. Sobre as cestas que não haviam sido entregues, o vereador confirma que não só mandou as cestas através de “Tonho”, como daria um “aperto em Tonho” para saber o motivo pelo qual ele não havia entregado as cestas. E garantiu que se “Tonho” não entregasse as cestas, “levaria mais” cestas para distribuir.
A legislação eleitoral proíbe dar ou mesmo prometer qualquer coisa em troca de voto.
O nome do morador de Ribeirão Bonito está sendo mantido em sigilo, para não atrapalhar as investigações. F. C. F. e sua esposa F. M. S. F. estão colaborando as investigações do Ministério Público. Eles já prestaram depoimento à Promotora de Justiça Constance Caroline Albertina Alves Toselli, de Ribeirão Bonito.
O casal mora em um pequeno cômodo, pelo qual paga R$ 350,00 de aluguel. Ambos estão desempregos e lutam com dificuldades para criar uma filha adolescente. No dia em que foi abordado pelo vereador Diego da Conceição Santos para transferir os títulos eleitorais para Analândia, F. C. F. conta que havia saído de casa para tentar arrumar um “bico” a fim de conseguir dinheiro para comprar um botijão de gás. Foi quando avistou uma aglomeração de pessoas em volta de um Fiat Uno vermelho, que escutavam a proposta do vereador: R$ 50,00 mais uma cesta básica para cada um que transferisse o título eleitoral para Analândia. “Sei que eu também errei em aceitar transferir o título, mas a minha família estava passando muita necessidade”, ele conta.
F. C. F. informou que de acordo com os cálculos do vereador Diego da Conceição Santos, ele precisaria transferir cerca de 100 eleitores para Analândia. “Essa era a quantidade de votos que ele disse que precisava para se eleger vereador”, disse em depoimento do MPSP. Nos dias que se seguiram, 5 a 8 de maio de 2012, todos que aceitaram a proposta foram levados em três automóveis até o Cartório Eleitoral de Rio Claro. Os veículos fizeram várias viagens. Foram usados um Fiat Uno de Diego da Conceição Santos, um Fusca marrom e um Corcel de “Tonho”, pessoa que teria ajudado o vereador a aliciar os moradores de Ribeirão Bonito para a transferência dos títulos.
Na fila do Cartório Eleitoral, os moradores de Ribeirão Bonito receberam fotocópias de contas de energia e de água, segundo F. C. F. e F. M. S. F., fornecidas pelo vereador Diego da Conceição Santos e pelo candidato a prefeito de Analândia, José Roberto Perin, para que “comprovassem” o endereço em Analândia. Também receberam marmitas. Feitas as transferências, contou o casal, Beto Perin entregou um envelope a Diego da Conceição Santos, contendo o que parecia ser dinheiro. Diego, por sua vez, mandou que os eleitores entrassem nos carros e, agachando-se como se quisesse se esconder atrás da porta do lado do motorista, passava os R$ 50,00 prometidos. As cestas básicas ficavam de ser entregues posteriormente.
No dia em que transferiu os títulos eleitorais para Analândia, 8 de maio, o casal conta que a maioria dos moradores de Ribeirão Bonito transportados eram dependentes químicos de álcool e crack. “Teve gente que recebeu os R$ 50,00 e foi direto para a “boca” comprar a pedra”, relatou. O casal se recorda que entre os viciados havia uma grávida, no sétimo mês de gestação. “Ela estava com tanta fome que comeu quatro marmitas”, disseram à Promotora de Justiça.
Após a conclusão das investigações em Ribeirão Bonito, as informações colhidas pela Promotora de Justiça Constance Caroline Albertina Alves Toselli serão enviadas à Promotora Eleitoral de Itirapina, responsável pela cidade de Analândia, para as providências judiciais.
Veja AQUI a transcrição da gravação direto do Blog do Fábio Oliva
3 comentários:
É o Brasil Rolando Escada Abaixo.
(Saudades do Oswald de Andrade que já previa isso tudo e anda tão esquecido).
Décio
E AÍ RONCO..... VC NÃO VAI PUBLICAR A MATÉRIA DO EX-PREFEITO RUBINHO???? CONFORME O BLOG DO MARCEL PUBLICOPU??? Tribunal de Justiça mantém sentença que extingue processo contra o ex-prefeito Rubens Gayoso Júnior.....
Puxa vida, quem é vivo sempre aparece né, A.L.
Olha o Blog do Ronco foi o primeiro a dar essa notícia em fevereiro último, portanto a notícia é requentada. A resposta a você está no blog que você citou.
E aí A.L., tem feito algo de bom pela cidade.
O tempo passa, a idade chega e de repente não dá tempo de construir algo positivo para a comunidade. Só criticar sem construir não dignifica o Homem.
Ronco
Em tempo: Da próxima vez siga as recomendações do blog e coloque o nome, tá.
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