Johnnie Walker transforma João Andante em sucesso
Esta é a história de dois jovens mineiros
criadores da marca de cachaça artesanal que provocou grande irritação no
gigante Johnnie Walker. Eles são de Passa Tempo, vilarejo de pouco mais
de oito mil habitantes, a 148 km de Belo Horizonte. Nome do produto
criado: João Andante, tradução literal do inglês Johnnie Walker. A
Diageo Brands, holding britânica detentora dos direitos da marca do
uísque, acusou de plágio os fabricantes da pinga mineira.
O desenho das duas marcas é representado pela
figura de um andarilho, embora de classes sociais absolutamente
distintas: enquanto um é lorde, o outro é um jeca.
Se antes, a pinga premium brasileira era
praticamente desconhecida, limitando-se exclusivamente a dois ou três
botecos da Savassi, o bairro boêmio de Belo Horizonte, no final de 2011
ganhou os quatro cantos do País, primeiro via redes sociais, depois nos
cadernos de economia e negócios dos grandes jornais.
A história da polêmica criação começou em 2003,
quando os gêmeos Gabriel e Mateus Lana e o colega de classe Gabriel
Silva preparavam o trabalho de conclusão de curso da escola técnica de
formação gerencial do Sebrae, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas.
Os três tinham de 16 para 17 anos e receberam a
tarefa de “bolar” uma marca e desenvolvê-la em todas as etapas do
negócio. Os detalhes já são de domínio público:
"Enquanto nossos colegas bolavam redes de
shopping center ou montadoras de automóvel, a gente decidiu que queria
uma coisa mais simples", contou Gabriel Lana. Os jovens chegaram a
pensar em um projeto de padaria, mas acabaram optando por uma marca de
cachaça por causa de um primo, Rafael Vidigal, que tinha contatos em
alambiques de Presidente Bernardes. O município da Zona da Mata mineira,
a 187 km da capital, organiza anualmente um Festival da Cana,
caminhando para sua 30ª edição.
A marca foi registrada no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (Inpi). A patente foi pedida em nome do pai dos
gêmeos, seu Joel. Naquele momento, os novos empreendedores - que após a
formatura decidiram produzir a bebida de verdade para animar as festas e
vendê-la aos amigos - nem suspeitavam que o registro salvaria a marca
na Justiça.
Os mineiros contam que o conceito foi
desenvolvido em parceria com a agência júnior de comunicação da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também composta por
estudantes.
O "andante" do nome seria um mix de sertanejo
com caixeiro-viajante, que traz produtos da roça para a cidade grande.
Em vez de paródia de John Walker, de cuja mercearia em Ayrishire,
Escócia, saíram, ainda no século 19, as primeiras garrafas do uísque, a
inspiração estaria em Jeca Tatu, de Monteiro Lobato. E no andarilho
mineiro Juquinha da Serra, que vagava pela região da Serra do Cipó e lá
ganhou uma estátua - até agora imóvel, ao contrário do gigante de pedra
que sai andando na propaganda que diz "keep walking".
Além disso, reforçam os rapazes brasileiros, a
figura impressa na garrafa teria sido copiada do quadro Don Quixote,
pintado por Pablo Picasso em 1955. "Uma imagem de domínio público",
ressalta outro Gabriel, o Silva: "A cabeça é igualzinha, a espada virou
um pedaço de pau e o escudo, uma trouxinha".
Uma argumentação, portanto,
na linha no copyleft, o movimento mundial que questiona as leis de
direito autoral em nome da criatividade e do sample de ideias.
Para eles, os dois personagens tampouco
frequentam os mesmos ambientes. Johnnie Walker é encontrado em
supermercados, lojas de bebidas e free shops ao redor do mundo. João
Andante só se compra pela internet ou pessoalmente.
E em vez de milhões
em investimentos em marketing, os mineiros confiam na divulgação da
pinga em mídias sociais, como Twitter, Facebook, e no site na internet.
No máximo, em uma feira de cachaças.
Protegidos pela autorização do Inpi, a dor de
cabeça deles foi se transformando em bom humor à medida que o caso se
tornou público e as vendas da João Andante cresceram em ritmo acelerado.
Das cerca de 50 unidades mensais que engarrafavam e etiquetavam uma a
uma no apartamento de um deles (a cachaça vinha de um alambique
terceirizado), a produção saltou para 200 e eles tiveram que escolher
outro fornecedor, que também engarrafasse a bebida. Além disso,
contrataram outro amigo, Samuel Neves, como gerente comercial.
Hoje, com um site na internet
(WWW.joaoandante.com.br) e perfis no Twitter e no Facebook, uma média de
900 garrafas/mês de João Andante percorre as rodovias MG 270 e BR 381,
de Passa Tempo a Belo Horizonte e, de lá, é despachada para cidades como
São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Cada uma é vendida a R$ 48, mas o
preço em algumas praças pode chegar a R$ 80 - o mesmo de uma garrafa de
Johnnie Walker Red Label.
A assessoria da holding britânica sugere que a
queixa encaminhada ao Inpi, se rejeitada, não deverá virar ação
judicial. Com a cachaça passando a ser declarada "produto genuinamente
brasileiro", conforme acordo bilateral assinado pela presidente Dilma
Rousseff na última visita aos EUA, o céu passa a ser o limite para
grandes produtores da bebida. E João Andante tem tudo para caminhar
muito, cada vez mais.
Samuel e Gabriel Lana: vendas ainda crescem (Foto Gualter Naves/AE)Fonte: Sergio Barbalho
Um comentário:
Ronco,
convenhamos que a criatividade foi na verdade uma tremenda "chupação" da marca inglesa.
Continuo preferindo a Havana.
Décio
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