quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Não há o que celebrar, diz diretor de ONG sobre lugar do Brasil em ranking





Alejandro salas(segundo da esquerda para direira) com integrantes da AMARRIBO Brasil durante 15ª IACC (Foto: Ronco)

Alejandro Salas é o diretor para as Américas da ONG Transparência Internacional, com base na Alemanha, e que lança, anualmente, um ranking com base na percepção da corrupção do setor público de quase 200 países.
No levantamento divulgado nesta quarta-feira (3), 175 países e territórios foram avaliados. O Brasil subiu três posições em relação ao ranking do ano anterior e ocupa hoje o 69º lugar. Apesar da aparente melhora, Salas disse em entrevista ao UOL que o fato de o país ainda estar na parte de baixo da tabela é uma "vergonha".

"Estar na parte de baixo do Índice de Percepção da Corrupção é uma vergonha. O Brasil deveria liderar pelo exemplo e ser uma referência para outros países na América Latina e fora dela", diz.  Confira a entrevista completa:

UOL - De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção de 2014, o Brasil melhorou sua posição no ranking. Isso significa que o Brasil é um país menos corrupto do que era no ano passado? Como explicar essa subida? Temos razões para celebrar?
Alejandro Salas - Você está certo. A nota brasileira subiu um pouco, mas é um crescimento de um ponto e isso é insignificante. Não há razão para celebrar. Pelo contrário, eu gostaria de dizer que o que nós observamos hoje no Brasil é uma imobilidade e para o Brasil isso não é uma boa notícia.
Um ano sem uma real ou substancial melhora significa um ano perdido em termos de melhora das condições de vida de milhões de brasileiros e em termos de fortalecimento da governança democrática no país. O Brasil está entre as maiores economias do mundo.
Recentemente, o Brasil tem demandando seu lugar como um poder econômico e geopolítico e estar na parte de baixo do Índice de Percepção da Corrupção é uma vergonha.
O Brasil deveria liderar pelo exemplo e ser uma referência para outros países na América Latina e fora dela. Eu insisto: mais um ano sem real ou substancial melhora é uma perda de tempo é ruim para o Brasil.

UOL - Os BRICs [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] respondem por algumas das economias mais importantes do mundo,  mas como explicar que eles sejam tão mal avaliados no quesito corrupção?
Alejandro Salas -É difícil colocar todos esses países no mesmo 'cesto' quando se trata de boa governança e corrupção. Isso é possível quando se trata de indicadores econômicos, força de trabalho, populações, etc. Esse é o motivo pelo qual eles são chamados de BRICs. Mas quando se trata de corrupção, as coisas variam muito.
No Brasil, Índia e na África do Sul você tem democracias funcionando, com problemas e limitações, mas pelo menos as eleições livres acontecem, há liberdade de expressão e associação e outros princípios de vida democrática. Na China e na Rússia a história é diferente. Então, as origens e os tipos de corrupção podem ser bem diferentes.
Provavelmente o que eles [os países dos BRICs] compartilham é a disponibilidade de grandes volumes de recursos, muitas vezes nas mãos de poucas pessoas, e, no que se refere às corporações, há também uma urgência em competir com corporações de outros países.
Também há grandes populações vivendo na pobreza, da mesma forma que as instituições responsáveis por controlar, regular e estabelecer a lei a ordem ainda estão se desenvolvendo e são relativamente fracas. Esse 'coquetel' de fatores que eu listei está presente de uma forma ou de outra nos BRICs, abrindo as portas para abusos daqueles que querem e aprenderam como usar o sistema a seu favor.


173º - O presidente do Sudão, Omar Hassan al-Bashir, já foi acusado de ter cometido crimes contra a humanidade. Apesar de ter celebrado um acordo de paz com o Sudão do Sul em 2011, o presidente ainda não conseguiu reduzir a percepção sobre corrupção no setor público do país. De acordo com ranking divulgado nesta quarta-feira (3) pela ONG Transparência Internacional, o país está entre os dez mais corruptos do mundo Leia mais Khaled El Fiqi/EFE
UOL - O Brasil está bem atrás de alguns de seus companheiros de América do Sul, como Chile e Uruguai. Quais as principais diferenças entre as percepções sobre corrupção nesses dois países e no Brasil?
Alejandro Salas - Esses dois países [Chile e Uruguai] estão bem na frente dos demais países da América Latina. Isso tem a ver com o fato de que eles têm fortes instituições por lá.
Eu sou do México e lá, assim como no Brasil, na Argentina, na Bolívia e muitos outros lugares, a instituição da 'polícia' é severamente infiltrada pelo crime organizado, tem poucos recursos e é normalmente vista como parte do problema e não da solução.
No Chile, isso é muito diferente. Os policiais são respeitados e as pessoas confiam neles. Isso faz uma enorme diferença na medida em que cidadãos estarão menos propensos a subornar um policial no Chile em comparação com o que aconteceria no Brasil ou no México.
Outras instituições consideradas 'chaves' e que ajudam a reduzir a percepção sobre a corrupção, quando elas são profissionais e respeitadas, são o Poder Judiciário e órgãos reguladores e controladores.
Uma coisa que o Brasil tem como um desafio adicional na comparação com o Chile e Uruguai é o tamanho do seu território e o sistema federativo.
Isto é, obviamente, mais difícil e precisa de mais trabalho quando você tem diferentes leis regulando diferentes níveis do território. Você pode ter progresso no nível federal ou em algumas províncias, mas problemas em outras províncias ou em algumas cidades podem prejudicar a percepção sobre a corrupção.
UOL - Como você certamente sabe, o Brasil está enfrentando um dos maiores esquemas de corrupção da sua história e que envolve a Petrobras, sua maior companhia estatal. Como você acha que isso pode influenciar o ranking do ano que vem?
Alejandro Salas - O escândalo da Petrobras é um triste lembrete da corrupção crescente e sistêmica. Nós estamos esperando que as investigações continuem e que não haja interferência no Poder Judiciário então, e que desta forma os corrupto, os 'grandes caras' no topo da pirâmide e não apenas os bodes expiatórios, como normalmente acontecem, não escapem se eles forem considerados culpados.
Voltando à questão, eu não posso afirmar com certeza [se o escândalo poderá influenciar o ranking de 2015] porque as percepções sobre corrupção são influenciadas por inúmeros eventos, mas não duvide que um escândalo tão grande terá efeitos na percepção sobre o país.
Entretanto, isso não é necessariamente negativo. Isso vai depender de como as autoridades vão lidar com isso. O que nós vemos como uma história triste hoje, como um caso negativo de abuso, se for administrado da forma apropriada, com liderança e determinação pelos líderes do país, poderá terminar sendo o começo de um novo Brasil.
Isso poderia ser o que nós chamamos em inglês de "game changer" (algo como 'virada de mesa'). Em outras palavras, um evento que ajuda a mostrar que existe um "antes" e um "depois". Que o Brasil é uma democracia séria que quer atuar de forma significativa no mundo global.

UOL – O caso da Petrobras está sendo tratado como a primeira vez na história brasileira em que executivos das maiores empresas do país estão indo para a cadeia. Na medida em que a corrupção no setor público existe, em larga medida, porque há corruptores no setor privado, é possível acreditar que esse episódio terá algum caráter pedagógico?
Alejandro Salas - Eu acredito que a comunidade empresarial pode aprender porque eles irão aprender, principalmente se eles virem que existe um custo para eles. Se os chefes de grandes e influentes companhias forem considerados culpados e forem para a prisão, isso vai mandar uma mensagem para todo mundo que faz negócios no Brasil.
Se a reputação da companhia é afetada e isso trouxer custos para a companhia, eles irão aprender. Mas, ao contrário, se ninguém for punido pelos escândalos na Petrobras, então todo mundo vai aprender que no Brasil, o Estado de Direito é uma piada que dinheiro é tudo o que importa no país.
Como eu disse antes, a atitude que líderes no país tomarão será a chave para o futuro do país. Eles têm uma responsabilidade agora que o escândalo da Petrobras está diante deles.
UOL - O julgamento do mensalão teve alguma influência na percepção sobre a corrupção no Brasil? Alguns dos entrevistados mencionou alguma mudança vinda desse caso específico?
Alejandro Salas -Eu, pessoalmente, tive altas expectativas quando o caso apareceu na mídia. Eu tive, por algum tempo, a ilusão e elogiei o Brasil por realizar mudanças estruturais como a Lei da Ficha Limpa, a Lei de Acesso à Informação, a criminalização de companhias corruptas etc, enquanto permitia que a Justiça funcionasse e punisse os poderosos e corruptos.
Entretanto, isso não durou muito. Poucas pessoas passaram muito pouco tempo na cadeia e esse processo perdeu o seu impulso. Eu não acho que eu sou o único que pensou dessa forma.
Com certeza, algumas pessoas podem ainda ver isso como algo positivo para a história do Brasil, enquanto para outras, a ilusão do mensalão já desapareceu. Provavelmente, isso também ajuda a explicar porque o Brasil continua na mesma posição no índice.

UOL - Quais são os principais obstáculos que o Brasil precisa superar para melhorar sua posição nos rankings dos próximos anos?
Alejandro Salas - Existem, obviamente, muitas coisas que precisam acontecer non nível das leis, das regras administrativas, educação, incentivos, punição, etc. Mas se você olhar a questão como um todo, os grandes itens que o Brasil precisa enfrentar são:
Acabar com a tolerância com a impunidade em casos de corrupção, especialmente grandes casos de corrupção relacionados a processos rumorosos, abuso político e outros. Petrobras é a oportunidade e eles precisam agarrá-la.
A credibilidade na política e nos políticos precisa, urgentemente, mudar. A reforma política é necessária. As pessoas precisam confiar nos partidos e nos políticos novamente.
Na maior parte das pesquisas, tanto os partidos quanto o Parlamento aparecem com os menores índices de confiança no que se refere a corrupção. Isso não pode continuar. Cidadãos precisam conhecer quem financia os políticos e com quanto.
Eles precisam ser capazes de saber para quem eles estão votando e, obviamente, os políticos precisam ser responsáveis por seus eleitores. Isso não é ciência de foguetes. É democracia básica.
Outra área muito importante tem a ver com investimento público e grandes negócios de infraestrutura. Você se lembra dos escândalos sobre a Copa do Mundo?
Agora, eles não são tão populares, mas havia muita raiva relacionada ao gasto de tanto dinheiro em estádios enquanto a infraestrutura básica estava faltando, era insuficiente ou caindo aos pedaços. O setor público precisa ser extremamente transparente e limpo nas decisões relacionadas a investimentos que eles tomam.
Por último, é preciso prestar atenção aos Estados, especialmente aos mais pobres onde há mais necessidades e àqueles onde há mais recursos na medida em que eles se tornam mais atrativos a esquemas de corrupção.(UOL)

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